Apenas duas em cada dez mulheres se sentem bem informadas em relação à Lei Maria da Penha, é o que diz a 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher. Assim, visando espalhar cada vez mais informações sobre essa Lei tão importante para o combate à violência contra a mulher, nesse artigo você vai encontrar todas as informações sobre a Lei Maria da Penha, o que ela é e quais são os direitos que ela dispõe. 

O que é a Lei Maria da Penha? 

A Lei Maria da Penha cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. 

O nome da lei é uma homenagem a Maria da Penha Maia, farmacêutica e bioquímica cearense que sofreu diversas tentativas de homicídio (feminicídio) por parte do marido. Em maio de 1983, ele deu um tiro em Maria da Penha, que ficou paraplégica. O marido de Maria da Penha demorou anos para ser preso e cumpriu uma pena ínfima de prisão pelas múltiplas tentativas de feminicídio da ex-esposa. 

A Lei foi sancionada em 2006 e decorre de uma condenação do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, devido a inefetividade do país em coibir as práticas de violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como de investigar e punir efetivamente os agressores. Assim, o Estado brasileiro foi condenado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica.

Em resposta à condenação internacional, o Brasil editou a Lei Maria da Penha buscando implementar uma legislação e política efetiva de combate à violência  doméstica e familiar contra as mulheres, buscando conferir proteção a essas mulheres e instrumentos jurídicos adequados para lidar com o fenômeno. 

A Lei Maria da Penha se tornou um dos principais instrumentos de combate à violência contra as mulheres no mundo. 

Apenas mulheres se beneficiam da Lei Maria da Penha? 

Sim, isso porque a violência doméstica e familiar contra a mulher (que a Lei visa combater) é considerada uma forma de violência de gênero por afetar pessoas pertencentes ao gênero feminino de forma diferente que afeta pessoas pertencentes ao gênero masculino. 

Segundo o Artigo 5º da Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar contra a mulher  constitui qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial e pode ocorrer:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Os dados demonstram que as formas de violência que as mulheres estão submetidas no ambiente doméstico são específicas e afetam mulheres de modo desproporcional aos homens, ou seja, muito mais mulheres são vítimas de violência doméstica e familiar do que homens. Isso se justifica pelas estruturas de poder e organização em que a sociedade é pautada, uma estrutura patriarcal e de dominação das mulheres pelos homens, reforçando a ideia de que os homens podem dominar as mulheres e cometerem violência contra elas quando elas não atuam de acordo com o papel que é esperado delas em sociedade, como por exemplo, de ser mãe, dona de casa, cuidadora do lar e da família, entre outros. 

É importante salientar que mulheres trans e travestis também são protegidas pela Lei Maria da Penha. 

Os homens não estão protegidos pela Lei Maria da Penha? Como fica o direito dos homens? 

A Lei Maria da Penha se aplica somente às mulheres (mulheres trans e travestis também). No entanto, isso não significa que os homens estão desprotegidos. Caso venham a sofrer violência podem contar com as normas do Código Penal e outras legislações que os irão amparar e concederão respaldo jurídico adequado para a violência sofrida. 

A razão de existir uma Lei específica para mulheres é porque esses instrumentos gerais, como o Código Penal e o Código de Processo Penal, sozinhos, não conseguiam conferir uma resposta jurídica adequada à violência sofrida pelas mulheres, visto que, como aconteceu no Caso Maria da Penha, as denúncias eram frequentemente arquivadas, não processadas, e as condenações aplicadas aos agressores eram ínfimas (quando existiam). 

Uma mulher precisa ser agredida por um homem para ter direito à proteção pela Lei Maria da Penha? 

Não, os agressores podem ser pessoas pertencentes a qualquer gênero, inclusive mulheres. Assim, uma mulher, mesmo que agredida por outra mulher pode ser beneficiária da proteção concedida pela Lei Maria da Penha desde que a violência seja praticada dentro da unidade doméstica, no âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto na qual o agressor ou agressora  conviva ou tenha convivido com a vítima, independente de morarem juntos ou não. 

Quais são os Direitos que a Lei Maria da Penha confere às mulheres?

A Lei Maria da Penha é uma legislação multidisciplinar que cria direito para mulheres, estabelece conceitos importantes sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispõe sobre a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, estabelece medidas de prevenção, cria obrigações e deveres para as autoridades policiais, estabelece procedimentos para o processo, julgamento e execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica, estabelece medidas protetivas de urgência, cria o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, dentre outros. 

Para as mulheres vítimas de violência doméstica o que é importante saber sobre os direitos constantes na legislação são os seguintes tópicos abaixo: 

Definição das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher 

Em seu artigo 7º a Lei Maria da Penha estabelece e define cinco tipos de violência contra a mulher: 

A violência física que consiste em qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher. 

A violência psicológica que consiste em conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima da mulher ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;  

A violência sexual entendida como qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

A violência patrimonial que consiste em qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total dos objetos da mulher, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades

A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. 

Se quiser entender melhor sobre as formas de violência contra a mulher clique aqui

Direito às medidas protetivas de urgência 

Em virtude das violências acima elencadas que uma mulher pode sofrer, a Lei Maria da Penha confere medidas de proteção para garantir que as mulheres não venham a sofrer violência ou para fazer com que uma eventual violência sofrida cesse, são as chamadas medidas protetivas de urgência. 

As medidas protetivas de urgência e o procedimento para as requerer estão previstas nos Artigos 18 a 24 da Lei Maria da Penha e são de dois grupos: medidas protetivas que obrigam o agressor e medidas protetivas à ofendida, ou seja, medidas protetivas que obrigam o agressor a não mais praticar determinada conduta e medidas protetivas que são destinadas à vítima de violência e seus dependentes. 

 Medidas Protetivas que obrigam o agressor 

As medidas protetivas que obrigam o agressor podem ser aplicadas em conjunto ou separadamente, são elas (Artigo 22 da Lei Maria da Penha): 

I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas;

II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e 

VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.

Medidas Protetivas de Urgência à ofendida

Visando proteger a mulher vítima de violência e seus dependentes poderá o juiz, sem prejuízo de outras medidas, determinar as seguintes ações (Artigo 23 Lei Maria da Penha): 

I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV – determinar a separação de corpos.

V – determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga.  

VI – conceder à ofendida auxílio-aluguel, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a 6 (seis) meses.

Ainda, para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras (Artigo 24):

I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

 Como obter medidas protetivas de urgência? 

As medidas protetivas podem ser requeridas pela vítima ou pelo Ministério Público. 

A vítima pode solicitar as medidas protetivas na delegacia ou diretamente em juízo através de um advogado. 

Quem confere uma medida protetiva à uma vítima de violência doméstica é o juiz, a Lei prevê um prazo de 48h para que ele decida sobre o pedido. As medidas protetivas devem ser concedidas sempre que houver risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da vítima ou de seus dependentes.

É importante ressaltar que não é necessária a realização de boletim de ocorrência para requerer as medidas protetivas, bem como não é necessário que a violência sofrida constitua um crime, ou que exista uma ação penal ou cível em andamento contra o agressor, muito menos um inquérito policial ou investigação criminal em curso. Tudo o que basta é que haja uma situação de violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral  e que haja risco para a integridade da vítima. 

Você pode saber mais aqui

Apesar dessa previsão legislativa expressa, muitos juízes insistem em condicionar as medidas protetivas à existência de uma ação penal ou inquérito policial em andamento, bem como negam medidas protetivas caso não exista um boletim de ocorrência. Isso é ilegal e é muito importante contar com a assessoria de um advogado especializado em direito das mulheres para evitar tal prática, você pode falar com uma das nossas advogadas aqui

Por quanto tempo devem durar as medida protetivas de urgência?

Segundo o Artigo 19, §6º da Lei Maria da Penha, as medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.  

Ocorre que na prática muitos juízes vinculam as medidas protetivas a um prazo específico o que é contrário à Lei Maria da Penha, para evitar que isso aconteça é muito importante contar com a ajuda de um advogado especializado em direito das mulheres, garantindo que as medidas protetivas vigorarão enquanto existir uma situação de risco.  Você pode falar com uma das nossas advogadas aqui

Existe algum crime na Lei Maria da Penha?

Um engano muito comum é pensar que a Lei Maria da Penha criou um crime de violência doméstica e familiar contra a mulher ou que existem diversos crimes que foram criados pela Lei Maria da Penha. 

A Lei Maria da Penha possui, no entanto, somente um crime que é o crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência que determina uma pena de detenção de 3 meses a 2 anos ao agressor que descumprir decisão juidicial que concedeu medidas protetivas de urgência à vítima. Assim, o agressor que não respeitar as medidas protetivas pode ser preso. 

Sem ser o crime de descumprimento de medidas protetivas,  o que fez a Lei Maria da Penha foi enrijecer algumas previsões contidas em leis penais, como por exemplo, proibiu o pagamento de multas ou cestas básicas como forma de reparação à vítima, retirou a competência dos juizados especiais criminais para processar e julgar crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher evitando que os delitos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher fossem vistos e julgados como delitos de menor gravidade, alterou o Código de Processo Penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher.

Ainda, algo extremamente importante criado pela Lei Maria da Penha foram os juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher com competência cível e criminal para abranger as questões de família decorrentes da violência contra a mulher. Assim, a mulher conta com um juiz especializado em casos de violência doméstica e familiar para analisar o processo dela. Infelizmente o juizado ainda não é uma realidade em todo Brasil e não são todas as cidades que possuem um juizado.

Conclusão

A Lei Maria da Penha é uma legislação extensa, completa e técnica para o combate à violência contra as mulheres, através desse artigo buscou-se traduzir em uma linguagem simples e clara os principais pontos da legislação para promover o seu alcance e conhecimento fazendo com que mais mulheres saibam de seus direitos. 

Se você precisa de ajuda em relação a uma situação de violência doméstica entre em contato com as nossas advogadas.